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O repórter segue seu caminho. Está em um carro indo para entrevistar a fonte. Está animado, pois o assunto é muito interessante e vale mesmo passar uns minutos com a pessoa a ser indagada. Seus olhos verão ou não aquilo sobre o qual leu.
O trânsito está razoável. Muitos carros, mas eles andam em velocidade constante. O motorista habilmente desvia dos pés-de-breque e já está perto de um trecho mais veloz de pista. De lá até o destino, é só questão de minutos.
Toca o celular. Da redação, pedem que o repórter vá urgentemente, pois sua presença é necessária naquele momento. Faça a entrevista por telefone.
Pede o repórter para o motorista dar meia-volta. Porém, ele já desconfia que há algo estranho no pedido. Afinal, a maioria de suas pautas já foi cumprida. O que será que de tão necessário seu superior necessita para que seja descumprido um horário já marcado antes?
Chega o repórter desconfiado à redação e pergunta o que ocorre. Pedem-lhe que revise as provas de textos que serão publicados, mas enviados à gráfica apenas no fim do dia. Era algo que podia perfeitamente ser feito assim que ele voltasse da entrevista in loco. Chateado e soltando fogo pelas ventas, o repórter ainda diplomaticamente liga para a fonte passando um recibo qualquer de que não pôde ir lá, falando com a voz mais simpática possível. Nota-se na fonte também um ligeiro estranhamento.
Termina o expediente e volta o repórter para casa. Grita e esbraveja em um canto só seu tudo aquilo que não pode falar abertamente na redação. Xinga o editor obtuso. Não quer mais voltar àquele antro que o limita de todos os jeitos, tanto profissional quanto pessoalmente. Não quer mais ver aquela gente rasa e vazia a quem chama de colegas. Mas queria falar tudo isso e não o faz porque sabe que teria o bilhete azul e imediatamente alguém ocuparia sua vaga, talvez até fazendo mais conformistamente seu trabalho.
Profissional, ele faz a matéria com uma entrevistinha mixa por telefone. Ele sabe que sairá um lixo e não faz muito caso de melhorar esse lixo, pois já esteve com o diamante bruto próximo de suas mãos, mas o dono do garimpo o tirou de lá na hora em que via o brilho da pedra de alto quilate.
Sai a matéria publicada. Muitos leitores, sem se darem conta, pensarão que o repórter esteve mesmo lá. Mal sabem que estão sendo enganados. Porém, sabe o repórter que está a contragosto enganando aqueles por quem tem consideração.
Agora pouco, perto das 19 horas, estou andando pela rua Dona Veridiana (no bairro paulistano de Santa Cecília) e passo por um grupo de quatro pessoas conversando animadamente. Dá para ver que são pessoas humildes, que provavelmente trabalham pelas redondezas. Capto o seguinte papo:
– … mas a cidade é muito violenta…
– Violenta em relação a quê? É porque só se considera uma cidade violenta quando se vê o número de ocorrências em relação ao total da população.
– Não vou saber.
– Vê isso aí então, porque tem de ser pela proporcionalidade.
Até fiz questão de andar mais lento para pegar o papo, uma vez que interessa ao blog. Surpreendo-me com o abalizamento daqueles quatro. E isso porque teoricamente eles são “os leitores”. E O Leitor, como sabemos, não consegue passar no teste psicotécnico porque prega o rabo do burro no focinho do bicho…