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Sim, “o leitor isso”, “o leitor aquilo” é uma forma de censura privada. E bota privada nisso, uma vez que acontece nas reuniões de pauta. Perde o leitor, que sempre receberá as mesmas pautas ou um conjunto de matérias que parecem tanto umas com as outras que parecem um daqueles discos de muitas canções que parecem ser apenas uma tocada pelos no máximo 74 minutos em .wav que essa mídia suporta.

Perde o jornalista que propõe a pauta. Perde tempo de pesquisa, perde também mais algumas ilusões com o ofício. Perde também o idealismo de acreditar que o homem morder o cachorro é notícia. Sim, cada vez mais estamos vendo o cachorro morder o homem, pois seria isso que o leitor quer. Aliás, dá para entender esse cachorro e esse homem das mais diversas maneiras. Talvez o cachorro morda o homem quando se impõe fórmulas para o texto ser feito, sob pena de ele sofrer uma edição que o deixe igualzinho a tantos outros.

Muitas vezes, alegar que o leitor não quer isso pode até ser uma forma eficiente de um assunto ser enterrado. Chega o jornalista, propõe a pauta, mas logo vem alguém de bate-pronto, espontâneo ou pensado, dizer que o leitor da publicação não tem interesse nessas coisas. Normalmente, é algo dito bem na hora em que o repórter explica detalhadamente, antes mesmo de qualquer formalidade de reunião de pauta. O proponente até responderá alguma coisa imediatamente, mas logo o entusiasmo pelo assunto foi cortado. E o objetivo do alguém que disse “o leitor…” logo é atingido.

E por que bloquear sistematicamente as pautas dizendo que o leitor não as vai entender ou que não liga para esses assuntos? Por acaso fez-se um apuradíssimo censo com todos aqueles que lêem a publicação? Por acaso todos os questionários encartados são devolvidos preenchidos e, por isso, tem-se uma perfeita noção do que a maioria absoluta quer? E mesmo se houver uma maioria absoluta, é tão ofensivo assim publicar algo que supostamente ela não queira saber?

Como alguém que já teve sugestões de pauta cortadas, aqui a manobra é simples: arquive por um tempo a idéia, mas mantenha-a viva em suas pesquisas. Sugira exatamente a mesma pauta um ano depois e são altas as chances de ela ser aceita, pois provavelmente não se lembrarão dela da outra vez. É mais ou menos aquilo que Chico fazia, e sem nenhum Julinho da Adelaide necessário.

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Muitos são os estudos de hoje em dia que falam da censura privada. Diferentemente da censura estatal, a mesma não possui regras e, portanto, torna sua burla muito mais difícil.

Leia no jornal que esconde os podres de um partido e noticia amplamente os de outro. É também censura privada dar um espaço de resposta de área bem menor e em seção mais escondida do que aquela em que saiu o texto que originou.

Outro exemplo disso é quando se recebe mil cartas e e-mails contrários e uns dez favoráveis e publica-se apenas um de cada, dando uma bela desproporcionalidade de representação, afinal, os contrários ficaram com um milésimo da realidade e os favoráveis, com um décimo. Dirão que deram espaço para os dois lados, mas será mesmo que não foram tendenciosos e desonestos para com o público? Isso é muito comum principalmente quando envolve textos de colunistas bem odiosos. Ao público leitor vai parecer que ele é amplamente apoiado, quando na realidade não o é.

Como não possui regras escritas, a linguagem de fresta para a censura privada é muitíssimo difícil de ser feita, até porque textos passam por edição. O que pode acontecer é de o repórter, já bastante desiludido, fazer textos que se encaixem naquilo pedido. Afinal, quantos aqui gostam de terem seu saco enchido continuamente?

Já vi uma certa linguagem de fresta em títulos. Outra modalidade de linguagem de fresta comum na época do governo FHC eram os textos em que o último parágrafo contradizia de forma sutil tudo aquilo que fora dito até então na matéria. Lembremos que ainda há muitos editores cabecinha-de-linotipo, que raciocinam em pirâmide invertida e não viram as maravilhas que a composição eletrônica possibilita.

Porém, o grande problema da linguagem de fresta é que passa desapercebida até para quem devia entendê-la. Luiz Ayrão que o diga. Em 1977, sua canção 13 anos, de protesto contra os 13 anos do regime militar, foi censurada. Emplacou exatamente os mesmos versos com o título de O divórcio e ela passou sem titubeios. O pior de tudo para ele foi ver gente que queria se divorciar falando que ele disse tudo que acontecia com eles. E isso porque ele não falou de divórcio na canção assim intitulada, ainda que o ano fosse 1977, em que se aprovou a lei regulamentando o divórcio, até então proibido. Mário Prata passou coisa parecida à de Luiz Ayrão ao escrever Estúpido Cupido.

É ruim para as empresas jornalísticas praticarem censura privada, pois apenas se denunciam naquilo que negam fazer. Continuarei o assunto amanhã…

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